Em 1996, em uma de suas raras entrevistas, Guimarães Rosa enfatiza a importância da decifração de “A menina de lá” como fonte para iluminar o restante de sua obra. A crítica rosiana menciona, amiúde, o empréstimo transculturado que Rosa faz de textos poéticos, filosóficos e religiosos pertencentes ao patrimônio da humanidade. Esse artigo parte da premissa de que “A menina de lá” está escrito sob forma de um polissêmico koan, no qual se medita sobre o significado da morte em culturas asiáticas. Busca-se rastrear a convergência, por meio de desdobramentos especulares, entre a protagonista Nhinhinha e esse outro personagem de ficção narrativa, qual seja, João Guimarães Rosa. Para tanto, parte-se da história e das características próprias ao gênero literário “koan” e de aspectos da tradição budista, para interpretar um feixe de traços religiosos que simbolicamente marcam os demais personagens. Em última instância, este estudo destina-se a desentranhar elementos para interpretação do último capítulo aberto em koan por Rosa: sua enigmática morte ocorrida três dias depois da posse na Academia Brasileira de Letras.
Com base nos apontamentos feitos por Luiz Tatit nas análises realizadas em seu livro Semiótica à luz de Guimarães Rosa, e também em outros textos seus, nosso intuito é o de examinar e descrever a configuração tensiva que subjaz ao conto “A menina de lá”. Interessa explicitar as operações sintáxicas que estão na base da estruturação narrativa e discursiva da trama e que, por isso mesmo, respondem pela sua força de convocação sensível-inteligível. Ao que nos parece, por meio da construção das personagens dessa narrativa, Rosa traz valiosas contribuições acerca das condições que regulam a interação entre os sujeitos.
Este artigo aborda dois contos do livro Primeiras estórias (1961), de João Guimarães Rosa, “A menina de lá” e “Partida do audaz navegante”. A intenção é refletir de que modo a linguagem do autor revela uma perspectiva não realista no tratamento dado ao enredo; para isso serão trazidos alguns elementos de composição próprios do discurso fantástico tradicional e assim esclarecer pontos de contato e divergência com a realização de Guimarães Rosa. Por meio da abordagem dos efeitos fantásticos da linguagem roseana veremos que em “A menina de lá” a linguagem infantil, fora do uso utilitário do mundo adulto, altera as relações de causa e efeito instaurando o milagre. Em “A partida do audaz navegante” a linguagem infantil, num outro viés, estabelece-se como criação poética e se sobrepõe à realidade tangível, subvertendo-a.
Este trabalho apresenta a análise comparada dos contos A menina de lá, de Guimarães Rosa e O rio das Quatro Luzes, de Mia Couto que giram em torno de uma mesma temática. Ambos mostram a morte sob a perspectiva de uma criança, apresentando facetas surpreendentemente interessantes para os leitores, por meio de construções miméticas que fazem fantasiar e refletir sobre as maneiras como lidamos com o fim. Assim, no trabalho que se segue buscaremos avaliar os elementos que permeiam a vida e o inesperado desejo de morte de um menino e de uma menina em dois contextos distintos. São narrativas que levam o leitor a ponderar de que forma a morte pode ser poética, ainda que acometendo crianças. Além disso, o leitor é impelido ao aprofundamento de suas próprias experiências relacionadas à temática e convidado a aprimorar sua compreensão do mundo infantil e da morte. Desta forma, nos contos dos dois autores temos a possibilidade de perceber a morte sob o olhar de duas crianças em diferentes contextos e perspectivas sociais. E a partir dessas construções traçar algumas reflexões a respeito da morte, sua representação e a maneira como é encarada pelas personagens infantis nas narrativas.
Esta dissertação propõe-se a analisar ressonâncias da filosofia de Søren Kierkegaard na literatura de João Guimarães Rosa, abordagem ainda carente na fortuna crítica do literato. A hipótese da plausibilidade de aproximação entre os dois autores pauta-se por registros de Rosa em cartas e entrevistas a respeito de seu interesse pessoal por Kierkegaard, também demonstrado pela presença de obras do filósofo e de um livro sobre a língua dinamarquesa em sua biblioteca pessoal. Somado a isso, são dois os pontos fulcrais para a aproximação de ambos: a preocupação com o Indivíduo e a importância que a religião possui tanto em suas vidas quanto para a elaboração de suas obras. A partir disso, optou-se pela análise de cinco narrativas de Primeiras estórias, a saber: As margens da alegria, Os cimos, A menina de lá, A terceira margem do rio e O espelho, nas quais foram analisados os protagonistas com o objetivo de demonstrar em que medida cada um representaria os estágios da existência teorizados pelo pensador dinamarquês: estético, ético e religioso. Após a análise, identificou-se o Menino de As margens da alegria e Os cimos, juntamente de Nhinhinha de A menina de lá, com o esteta kierkegaardiano. Ao estágio ético, pertence o narrador de A terceira margem do rio, e ao religioso pertencem tanto o pai de A terceira margem do rio quanto o narrador de O espelho. Sobre essa última personagem, vale a ressalva de que, dentre os elencados para esse trabalho, é o único que percorre os três estágios, de modo a completar seu movimento de subjetivação existencial.
A proposta desta dissertação é estudar a rememoração na obra Primeiras estórias (1962), de
João Guimarães Rosa, tendo, como suporte teórico, a teoria da reminiscência de Platão. Para o
filósofo, a alma é imortal, pois sempre renasce em diferentes corpos. E quando uma pessoa
aprende algo ocorre uma rememoração, porque há apenas a recordação de um saber já
adquirido pela alma no mundo das ideias. Pretende-se, com base nessa teoria de Platão,
compreender os acontecimentos considerados misteriosos nas estórias rosianas, por se
distanciarem da lógica tradicional, e os comportamentos enigmáticos dos personagens. Por
serem muitas as narrativas que compõem o livro Primeiras estórias, restringiu-se o corpus a
sete contos: “A terceira margem do rio”, “A menina de lá”, “Sorôco, sua mãe, sua filha”,
“Nenhum, nenhuma”, “Um moço muito branco”, “As margens da alegria” e “Os cimos”.
A proposta desta dissertacao e detectar a camada simbolica, mitica, mais precisamente, as estruturas miticas subjacentes a quatro contos de "Primeiras estorias", de Guimaraes Rosa: "A menina de la", "Um moco muito branco", "A benfazeja" e "Nada e a nossa condicao", e o que decorre disso.
O estudo que se apresenta intenciona investigar a pontuação como uma das estratégias de linguagem engendrada na construção narrativa que possibilita a articulação de diversas vozes e consciências de modo que o texto literário mobilize princípios polifônicos. A pontuação, elemento presente na escrita, é tradicionalmente concebida pelos programas e prática escolar dentro da disciplina de Língua Portuguesa como elemento de notação que diz respeito a aspectos da oralidade (para auxiliar a leitura) e reduzida ao nível da frase. Porém, a perspectiva contemplada nesta pesquisa concebe os sinais gráficos imbuídos de outras facetas, além da proposição normativa que refrata a face discursiva e textual. Propõe-se apontar possibilidades de realizar um deslocamento da visão tradicional de pontuação, enfocando a potencialidade enunciativa e discursiva desses sinais, tornando-os fundamentais para a configuração de sentido do texto, atuando no território do discurso. Propondo apontar possibilidades outras dos sinais de pontuação, também se constitui como desafio desse trabalho não dissociar língua e literatura, uma vez que se toma por objeto de análise três contos escritos por Guimarães Rosa “Sorôco, sua mãe, sua filha”, “A menina de lá” e “Tarantão, meu patrão...”– integrantes do livro Primeiras Estórias (1962) e realiza um exercício de análise da construção narrativa associado ao uso da pontuação mobilizado nesse discurso. Essa proposta de trabalho encontra-se, dessa forma, ajustada à linha de pesquisa Subjetividade, Texto e Ensino que prevê pesquisas que promovam uma melhor compreensão da relação língua/linguagem/literatura com o discurso e o texto. Na sua elaboração recorreu-se a vários teóricos os quais permitiram avançar na análise de aspectos linguísticos (especificamente sobre o emprego dos sinais gráficos na constituição de sentidos do texto) e outros autores e seus estudos acerca dos processos de enunciação na produção literária. A fundamentação teórica principal adotada é de Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) – grande filósofo da linguagem do século XX. Conceitos da complexa arquitetura bakhtiniana oferecem suporte ao estudo da linguagem e, especificamente este trabalho dialogará com os conceitos de dialogismo, polifonia, plurilinguismo. Para o trabalho de levantamento bibliográfico na área de estudo da pontuação, destacam-se as contribuições de Véronique Dahlet (2002, 2006, 2007), Lourenço Chacon (1998), Tânia Câmara (2007, 2008) Bernardes (2002), Saleh (2009, 2010, 2012) entre outros. A escolha de três contos de João Guimarães Rosa se dá por sua ruptura com a linguagem fazendo uma espécie de renovação estilística, fator que possibilita reafirmar o quanto a pontuação amplia as possibilidades de sentido de um texto literário.
Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
O interesse em pesquisar a questão do protagonismo da infância como veiculador de discursos a priori “não infantis” parte de indagações teóricas acerca das especificidades expressivas da Literatura infantil e juvenil, especialmente a presença da protagonista criança. Levantando hipóteses sobre a sua necessidade em obras voltadas para jovens leitores, chegou-se a um desdobramento deste foco: que sentidos são gerados quando um autor faz da criança porta-voz de sua mundividência? Em se tratando de uma obra de tamanha complexidade, e não sendo especificamente direcionada ao público jovem, salta aos olhos a importância das personagens crianças nas narrativas rosianas. Sejam elas centrais ou figuras passantes, a obra de Rosa está impregnada de infância. E do questionamento inicial chegamos à pergunta central desta dissertação: que sentidos adquire a infância na literatura de Guimarães Rosa? Partindo da ideia da infância que extrapola a mera representação nesta ou naquela personagem, mas interpretando-a como símbolo, o que se propõe é, através de um estudo de análise comparativa, traçar o percurso existencial desta infância protagonista, defendendo-a como potência vital para que o homem se coloque em estado de viagem. Entende-se que é através das crianças de Rosa, principalmente, que se instaura o olhar inaugural sobre as coisas; o olhar marginal que se torna central na elaboração da experiência humana, refundada pela imaginação. Assim, tendo como corpus Campo Geral (1956) e Primeiras estórias (1962), o trabalho visa explorar as potencialidades das protagonistas infantis de Guimarães Rosa, naquilo que elas apresentam de convergências e especificidades, tendo em Miguilim o símbolo da infância rosiana, cuja potência reinventiva reverbera de diferentes maneiras nos demais meninos e meninas de Primeiras estórias, apontando de todo modo, a presença protagonista do olhar revelador da condição movente do homem.
Parte-se da premissa de que o tema do insólito não pode ser desvinculado do conflito gerado pelo
conhecimento da realidade diante de um fenômeno inexplicável. De fato, o insólito encontra-se vinculado a todo comportamento estranho, ou seja, ao que foge do senso comum como argumenta (HELLER, 2014). Segundo a autora, no livro O cotidiano e a história, A vida cotidiana é a vida de todo homem, ele é ao mesmo tempo um ser particular e um ser genérico, por ser único e por ser produto de suas relações sociais. Sendo a literatura a representação possível da vida cotidiana e também daquilo que foge do senso comum, com a inserção do que se alça ao sobrenatural,o artigo proposta analisa o conto de Guimarães Rosa, A menina de lá (ROSA, 1985), do livro Primeiras Estórias. Já o título anuncia tratar-se de uma menina "de lá", de um mundo diferente, incompreendida por fazer previsões, que passam para a família que "nunca tirava o terço da mão" como milagres. Sua linguagem é vista como incompreensível
Este artigo consiste em evidenciar como a religiosidade permeia, explícita ou implicitamente, a produção literária de Guimarães Rosa, tendo por base os contos “A hora e a vez de Augusto Matraga” (Sagarana), “A menina de lá” (Primeiras estórias); “Bicho mau” (Estas Estórias) e o “pacto” de Riobaldo (Grande sertão: veredas). A análise incide em pontuar certas constantes do imaginário religioso e sua relevância em cada narrativa e também na instauração do questionamento sobre a verdade oculta que rege o universo e na busca do “aprender a viver”, acentuada preocupação do autor mineiro.
Este trabalho propomos um encontro entre o Sertão Mineiro, Moçambique e a Amazônia. Geografias culturais e literárias que têm em comum a expressividade da língua portuguesa em interface com a oralidade, a mobilidade, a memória e os imaginários em permanente fricção e reconfiguração, a partir da relação dos sujeitos com a natureza. No livro de ensaios E se Obama fosse africano?, o moçambicano Mia Couto destaca o que, apenas aparentemente, nos parece uma obviedade. Ele afirma: As línguas servem para comunicar. Mas elas não apenas ‘servem’. Elas transcendem essa dimensão funcional. Às vezes, as línguas fazem-nos ser”. Como seres de linguagem, existimos nela [língua], por ela somos atravessados a todo tempo. Nesse sentido, é que “as línguas salvam-se se a cultura em que se inserem se mantiver dinâmica”. Partindo desse pensamento de Mia Couto sobre a fecundidade das línguas, queremos salientar os choques esultantes de três linhas imaginárias peculiares à ação literária dos autores – o Sertão Mineiro, a África moçambicana e a Amazônia brasileira. Três geografias que embora aparentemente dissonantes, são incrivelmente simétricas no desenho que delas nos dão seus autores, dentre as quais relevamos os renovadores aspectos estilísticos da língua em sua opção pela oralidade, a verticalidade do pensamento, a mobilidade dos personagens e das temáticas, o retorno nostálgico da tradicional forma de contar histórias, através de narradores testemunhas porosos. Para tal, colocamos em fricção uma constelação de saberes e ecologias oriundas das narrativas A menina de lá, de Guimarães Rosa; O rio das quatro luzes, de Mia Couto e Estória de meninos, de Tené Norberto Kaxinauwá. Esses textos serão lidos sob os aportes teórico-metodológicos do comparativismo solidário prospectivo e da teoria pós-colonial.
O trabalho que segue alinha-se aos estudos de literatura comparada no que diz respeito aos contos: A menina, as aves e o sangue do escritor moçambicano Mia Couto e A menina de lá, do autor brasileiro João Guimarães Rosa. O estudo focaliza como se dão as situações em ambas as literaturas os aspectos de Infância e o Fantástico nas personagens em seus territórios culturais. Apoiamos as discussões nos autores que delimitam os estudos de literatura comparada, como, Sandra Nitrini (1997) Tânia Carvalhal (2006),assim como os autores que versam acerca das literaturas africanas de língua portuguesa,Bezerra (2007) Afonso (2004) Appiah (1997) Carlos Espírito Santo (2000) entre outros que versam sobre a temática,assim como autores que pesquisam sobre a literatura de João Guimarães Rosa,tais como Walnice Nogueira Galvão (1978) entre outros e Tzevtan Todorov sobre o fantástico na literatura. Observamos como as meninas aparecem em seus espaços culturais envoltas naquilo que a crítica denomina de fantástico na literatura, como as situações as aproximam, como infâncias se apresentam e também de que modo se diferenciam de acordo com as crenças que envolvem os seus familiares e o sociocultural de cada literatura.
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