Em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, há uma ligação intensa entre poesia e pensamento. Pretendemos com o presente texto especular, então, em torno dessa aproximação entre a poesia e o pensamento na obra do autor, partindo da narrativa do personagem e narrador Riobaldo. A linguagem como expressão do pensamento e da poesia é na obra de Guimarães Rosa, antes de tudo, saga, isto é, linguagem que mostra, que faz aparecer o real sem que, no entanto, se comunique nada a respeito desse mesmo real. Desta forma, a linguagem é o que em Grande sertão: veredas faz exceder a realidade para além de seus contornos, de suas margens.
João Guimarães Rosa, em Magma, recria espaços do interior do Brasil, em consonância com uma visão identitária nacionalista, concernente a aspectos do Modernismo brasileiro, e, no poema “Paraíso filosófico”, em processo ecfrástico, tais espaços associam-se ao locus grego, delineando a visão
mítica que o poeta imprimirá em seus versos.
Esta reflexão, que toma como corpus a narrativa Cara-de-bronze, de João Guimarães Rosa, evidencia a questão da transubstanciação da Idade Média simbólica em sertão mítico literário, cuja articulação discursiva, entendida como plano simbólico, delineia a busca do sagrado como ritual de criação poética. Tal criação, ao se edificar em dois níveis ficcionais possíveis, deflagra uma encenação mítico-simbólica, cuja estrutura inscreve o ritual de eterno retorno às origens sagradas, seja na instância do humano, seja na do discurso.
Os diálogos entre Vilém Flusser e Guimarães Rosa na década de 1960 fizeram com que o primeiro partisse de sua ontologia para pensar a obra do segundo, visto que o filósofo compreendia a obra de Rosa como uma espécie de exemplificação de suas teorias. Assim, mostrarei como Flusser desenvolve sua ontologia, como pensa a literatura e como isso se dá na obra roseana.
O estudo focaliza as incongruências e instabilidades com que se constroem os temas da viagem e do amor na novela "Cara-de-bronze", de Urubuquaquá no Pinhém (Corpo de baile). Procura-se demonstrar que, elaborando ambigüidades e promessas de esclarecimentos que nunca chegam, o texto propõe ao leitor o mesmo jogo que envolve as personagens, cuja curiosidade é sempre aguçada em torno do poderoso Cara-de-bronze, agora próximo da morte, desinteres- sado de pragmatismos e poderes e interessado em poesia e suas ?engraçadas bobéias?.
Este trabalho tem como objetivo a nalisar em Magma, único livro de poemas de Guimarães Rosa, o lirismo telúrico rosiano, enquanto sentimento de integração e louvor à terra, a partir da leitura de poemas como "Águas da Serra", "Ritmos selvagens", "Boiada", "No Araguaia", "Toada da chuva", "Gruta do Maquiné", "Primavera na serra" e outros, que captam e revelam motivos, cores, sons e sensações de um concerto poético da natureza em seu simples e profundo existir.
Este artigo analisa o processo de composição de uma canção popular, descrito no conto “O recado do morro”, de Guimarães Rosa. A narrativa relata uma experiência de inspiração poética originária de uma mensagem de natureza profética. Para que o alerta da profecia chegasse ao seu destinatário, fora preciso uma sequência de codificação e recodificação da mensagem de um morro. Consideramos essa cadeia como um fluxo afetivo e efetivo, tal como descrito nos relatos dos bardos homéricos.
Este artigo pretende apresentar alguns aspectos do religioso na obra Grande Sertão: Veredas de
João Guimarães Rosa, seguindo a formulação: “a vida antes do texto, a vida no texto, e o texto na vida” (Rui Josgrilberg).
O artigo faz uma leitura da novela “Uma estória de amor (A festa de Manuelzão)”, de Guimarães
Rosa, dando enfoque a uma narrativa poética, proveniente da poesia oral popular, intercalada à novela. Procuramos ler o texto intercalado, “O Romanço do Boi Bonito”, como uma estória-louvação, buscando nas referências de Farias (2004) sobre tal procedimento em algumas culturas tradicionais africanas, um aporte para a análise. Com essa leitura, chegamos à conclusão de que Guimarães Rosa reatualiza a performance da palavra poética dentro de sua narrativa, misturando as tradições múltiplas em que a oralidade resvala para o universo mito-poético.
Duas serão as nossas ocupações no artigo: 1) demonstrar a permanência do Guimarães-poeta de Magma, 1936, na criação da fauna e flora de Sagarana, 1945; 2) explicitar a importância dos trechos paisagísticos para a organicidade dos contos, não podendo ser considerados interrupções, cortes ou entidades de menor valor. São Marcos merecerá uma atenção maior, por deter-se mais na paisagem. Estaremos fazendo referência a outras narrativas do primeiro livro de prosa de Guimarães à medida que encontrarmos nelas exemplos elucidativos. Analisaremos poemas de Magma, apontando como procedimentos poéticos empregados aí pelo autor aparecem de igual modo em Sagarana.
Este trabalho é parte integrante do Projeto de Pesquisa “Enciclopédia do grande sertão” e tem
como objeto de estudo a palmeira buriti e a saudade presente em Grande Sertão: veredas, de
João Guimarães Rosa. Encontramos no referido romance uma espécie de paráfrase da primeira estrofe do poema gonçalvino, quando Rosa também faz uso de uma palmeira para singularizar o sertão. Além dessa intertextualidade, encontramos ainda várias passagens em que a palmeira buriti é usada de maneira poética para falar dos gerais. Comprovaremos por meio de passagens da narrativa de Rosa e de comparações com o poema de Gonçalves Dias que a palmeira, no caso de Rosa, o Buriti, é símbolo emblemático desde o romantismo. Dentre as inúmeras relações que o buriti tem em Grande Sertão: veredas, uma delas é a relação com as veredas. Se os personagens sentem saudade de suas veredas, sentem também de suas palmeiras, pois a vereda é o reino dos buritis.
Neste artigo a autora mostra o diálogo de Guimarães Rosa com a pintura da Antigüidade, da
Idade Média e Renascimento, colocando-o ao lado de outros autores, o que permite situá-lo numa longa
duração da criação poética ao mesmo tempo que o individual.
O presente estudo propõe uma reflexão acerca da poética de João Guimarães Rosa (1908-1967). A hipótese é que a produção do escritor apresenta características essenciais à constituição da lírica moderna. Ao abolir a linha divisória entre poesia e prosa narrativa, Rosa coloca-se na linha de frente daqueles narradores que, ao conceder primazia ao artesanato formal do objeto literário, creditam à palavra o poder de extravasar os grilhões da referencialidade naturalista à qual se rendera grande parte da ficção brasileira produzida até então. Inquieta, obscura, experimental, a escritura de Rosa subverte os dados cristalizados pela tradição e oferece ao leitor uma experiência de estranhamento em relação à própria linguagem, tomada como instrumento privilegiado de investigação de um real fugidio e paradoxal, arisco às investidas da razão objetiva.
De Magma a Grande sertão: veredas e Primeiras estórias, Guimarães Rosa percorre uma trajetória incomum no panorama da literatura brasileira. Discretamente, ele renuncia às tendências modernis- tas que marcaram a época da sua juventude e sua primeira obra. A partir de Sagarana, dedica-se a uma narrativa que procura conciliar as exigências mais modernas e universais com modelos imaginários e artísti- cos que parece considerar como os núcleos da identidade brasileira. Rastrearemos os atalhos e desvios que levam do Magma poético às veredas romanescas, passando por inúmeras associações híbridas com escritores e pensadores nacionais e mundiais.
O propósito deste artigo é investigar a filosofia da forma na escrita rosiana a partir das referências ao mundo natural encontradas no Grande sertão: veredas. Desse modo, busca-se não apenas iluminar a característica invenção rosiana, mas também descortinar uma metafísica, ou melhor, uma compreensão da metafísica que, em parte, afina-se com a contemporânea “virada ontológica”, que hoje instiga os estudos antropológicos, filosóficos e literários. Como identificado na ficção rosiana, a formulação de metafísicas distintas visa desconstruir a tradicional metafísica da representação de modo mais eficaz do que a crítica “pós-moderna” a ela dirigida. De fato, a variedade das espécies viventes que marca a escrita de Rosa termina por aproximar comparativamente metafísicas, perspectivas que se reúnem ao redor de um núcleo poético comum, “vital e irrepresentável” (ROWLAND, 2011, p. 18). Logo, este artigo privilegia a vida das plantas a fim de ressaltar a forma movente ou, ainda, o informe, que Rosa cultiva como ser da ficção. Como hipótese de trabalho, notamos que a variedade das formas das flores é aproximada do amor, assim compondo uma morfologia, e que a vingança, que conduz à guerra que entrecorta o mato, é o modo como essa cultura das formas moventes constrói sentidos e dá origem a novas formas. Como conclusão, veremos que a metafísica das plantas, tal como trabalhada no Grande sertão, ilumina a proposta filosófica de Rosa e coloca sua obra sob uma nova luz.
Neste trabalho, apresento a ousadia de um discurso que percorre várias instâncias da criação literária de João Guimarães Rosa, sobretudo a que diz respeito à busca da poesia. A novela em estudo é um exercício audacioso da escrita rosiana, por meio da qual o autor cria estratégias discursivas de revelação e velamento dos significados, que, ao final, culminarão no único significado que importa: a procura da poesia, simbolizada pelo emprego recorrente do pronome "quem”, reformulado na expressão o "quem das coisas". As reflexões aqui propostas apontam para a polifonia do discurso,
muito explicitada nas vozes de vários personagens desta narrativa, e das viagens realizadas
pelo protagonista e pelos leitores, na tentativa de decifrarem o “quem” das coisas. O texto em análise se constrói como o lugar da busca, não de um caminho, não de alguém, mas da palavra em estado de poesia. Nesse sentido, o presente artigo pretende mostrar que o discurso na novela Cara de Bronze é um encontro com as coisas não utilitárias, mas necessárias, sendo a musicalidade da poesia a única meta a ser alcançada. Analisar as estratégias discursivas do autor é, portanto, o foco das reflexões a seguir.
Este trabalho busca evidenciar, em contraponto, a figurativização do discurso metapoético na poesia de Manoel de Barros e na ficção de Guimarães Rosa. Para tanto, analisamos o poema “O fotógrafo” e o conto “Cara-de-Bronze”. Utilizamos estudos que versam sobre o processo de composição poética e a teoria semiótica greimasiana.
O conto "Sarapalha" chamava-se Sezão e dava nome também ao livro que viria a se chamar Sagarana. Desse proto-Sagarana, o título alusivo à doença foi abortado, assim como o conto "Bicho mau", publicado depois numa versão expurgada de várias páginas que apontavam muito indiscretamente para o diploma de médico do autor. O borrar dessas evidências demasiadamente "documentais" por Rosa parece confirmar uma instrução de leitura recorrente na obra rosiana: a metafísica e a poesia -- e não a contingência -- devem ressoar soberanas em sua escrita. É o que tentamos mostrar numa breve análise do médico e da doença em "Sarapalha", "Campo geral" e "Buriti".