Este artigo aborda como é atualizado, no Grande sertão: veredas, um motivo fundamental para a tragédia Rei Lear: a escolha amorosa envolvendo três mulheres relacionadas ao ouro, à prata e ao chumbo. A simbologia subjacente aos metais é determinante para a caracterização das personagens femininas tanto do romance quanto da tragédia, analisadas, aqui, em perspectiva comparativa. Em Rei Lear, os metais preciosos, o ouro e a prata, estão associados a Goneril e Reagan, as filhas más que herdam o reino, enquanto Cordélia, a filha bondosa e preferida do rei, é representada pelo chumbo e acaba deserdada. Em Grande sertão: veredas, o ouro e a prata figuram na caracterização de Nhorinhá, a prostituta por quem Riobaldo se apaixona, e Otacília, sua esposa, enquanto Diadorim, o verdadeiro amor, está relacionado ao chumbo e permanece sublimado. Assim, os metais preciosos simbolizam, em ambas as obras, o equívoco amoroso, enquanto o chumbo guarda a mulher certa – Cordélia na tragédia, e Diadorim no romance. Diadorim e Cordélia possuem, ainda, outras analogias: ambas são filhas de grandes líderes, dedicam fidelidade irrestrita ao pai, possuem ligação com o arquétipo da donzela-guerreira e suas mortes representam momentos de anagnórisis para Riobaldo e Lear.
Para Edward Said, intelectual é aquela figura cujo desempenho público não pode ser previsto nem forçado a enquadrar-se numa linha partidária ortodoxa ou num dogma rígido. Em As representações dos intelectuais, no entanto, ele se confessa desanimado com essa percepção, pela tendência que observa nesta classe de promover a alta cultura, deplorando o “homem comum” e a cultura de massa. Neste artigo, discutimos brevemente as estratégias de posicionamento crítico e autocrítico de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector frente ao problema, a partir de uma abordagem comparativista do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” e da crônica “Um grama de radium – Mineirinho”.
Nosso objetivo é investigar a temática da água e do tempo nos contos A terceira margem do rio (1962), de João Guimarães Rosa, e Nas águas do tempo (1994), do autor Mia Couto. As duas estórias dialogam sobre as questões da vida e da morte a partir da representação da travessia pelo rio, e sobre a experiência diante o tempo. Para compreendermos a presença da água como um elemento material, que revela a substância e o destino dos personagens, utilizaremos o estudo de Gaston Bachelard (1997), A água e os sonhos. A água representa a renovação da ancestralidade, fazendo referência aos tempos sagrado e profano. O aporte teórico para a compreensão do tempo sagrado e profano será Mircea Eliade (2008), que define a experiência do homem religioso como mysterirum tremendum e mysterium fascinans, duas experiências que estão representadas na vivência dos personagens e os conduzem a outra possibilidade de real. O pai e o avô, respectivamente personagens de Guimarães Rosa e Mia Couto, ao realizarem a travessia pelas águas desestabilizam as margens conhecidas e promovem uma reflexão sobre o ser e o estar no mundo. DOI: https://doi.org/10.47295/mren.v10i6.3438
Objetiva-se neste estudo realizar uma análise comparativa acerca da linguagem como elemento de transformação do homem nos contos A menina de lá, do escritor brasileiro do segundo quartel do século XX João Guimarães Rosa, e A menina sem palavra, do escritor Moçambicano Mia Couto, artista e pensador contemporâneo. A abordagem aqui proposta parte do pressuposto de que ambos os contos discutem linguagem, comunicação e infância a partir de um olhar muito perspicaz, no qual a palavra assume o papel de força transformadora, ressignificando a própria ideia de comunicação e contribuindo para a humanização das relações sociais.
O trabalho traça a evolução e as transformações do tema da Idade de Ouro, como tem surgido insistentemente na cultura ocidental, desde Hesíodo, examinando três instâncias literárias importantes em que desponta com preeminência: Lewis Carroll, Dante e Cervantes. A partir desta perspectiva, indico como surge o ideal da Idade de Ouro nas memórias de Riobaldo, de maneira peculiar sua e, ao mesmo tempo, de certa forma, de maneira similar às mencionadas incidências literárias do tema.
O presente trabalho pretende uma análise comparatista entre as obras “Sarapalha”, conto do livro Sagarana, de Guimarães Rosa, e Esperando Godot, peça teatral de Samuel Beckett. Percebemos que as duas obras, embora pertencentes a gêneros literários distintos, e escritas em condições de produção específicas, possuem vários pontos que as aproxima. Consideramos que o confinamento espaço-temporal dos personagens é um ponto de convergência entre as duas obras em seus aspectos composicionais. Observamos, também, os vários jogos que são estabelecidos, visando a ocupar o tempo cronológico e psicológico dos personagens; assim como o passado que se incorpora de maneira profundamente arraigada em suas vidas e a perplexidade diante da existência se configuram no constructo dos textos.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre os romances O último suspiro do mouro, de Salman Rushdie, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, a partir de algumas estratégias estruturais dessas narrativas, tais como a do manuscrito encontrado e/ou que se escreve enquanto se ouve o narrador contar a estória; a matéria vertente, ou seja, o que se conta; o agenciamento de diferentes vozes narrativas; o uso de documentos apócrifos que revelam a elaboração de uma memória imaginada; e o recurso ao fantástico, bem como a recriação crítico-criativa da língua do colonizador. Tais estratégias se organizam a partir de uma voz narrativa em primeira pessoa – Moraes Zogoiby e Riobaldo –, os quais, na condição de filhos bastardos ou supostamente bastardos, realizam uma contraescrita da história, de modo a produzirem uma escrita também bastarda, ou seja, o rerrelato, como afirma Salman Rushdie, ou a estória, como argumenta Guimarães Rosa. Tais procedimentos resultam na descolonização da voz narrativa e instituem o que tenho denominado escrita bastarda.
O texto discute particularidades do modo de composição ficcional de Guimarães Rosa e Mia Couto, a partir da aproximação dos contos “A terceira margem do rio” e “Nas águas do tempo”.
O texto discute particularidades do modo de composição ficcional de Guimarães Rosa e Mia Couto, a partir da aproximação dos contos “A terceira margem do rio” e “Nas águas do tempo”.
Trata este paper de uma breve leitura sobre a obra Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (1927), e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (1908-1967). Estes dois intelectuais latino-americanos no século XX se consagraram na literatura mundial. O primeiro com o gênero Fantástico, e o segundo com uma narrativa regional mineira. Em Guimarães o lugar escolhido para suas histórias era carinhosamente chamado por ele de “Mundo Sertão”, lugar onde seus personagens ganharam vida e foram imortalizados em suas obras como, por exemplo, Riobaldo em Grande Sertão: Veredas (1956). Já García Márquez descreve o realismo mágico em seu romance Cem Anos de Solidão (1967). O lugar do enredo é uma cidade fictícia cercada de acontecimentos inexplicáveis e sobrenaturais, chamada Macondo, da qual tudo emerge e para onde tudo volta. Revolucionando a literatura mundial o romance de García Márquez foi lançado em maio de 1967, e além das muitas tiragens esta obra lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1982. Guimarães, por ironia do destino, não pôde ser agraciado com tão nobre Prêmio, em virtude de sua morte súbita em 1967, aos 59 anos, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Suas obras foram fonte de inspiração para o cinema, televisão, teatro e música, diferente de García Márquez no que tange à obra aqui sinalizada. Sendo sete delas publicadas: Sagarana (1946); Corpo de Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Tutaméia – Terceiras estórias, último livro publicado em vida por Guimarães em 1967, dentre outras.
Este trabalho pretende, numa perspectiva dialógica, mostrar como as narrativas africanas
reverberam-se nas histórias brasileiras, propondo um diálogo criativo e dinâmico na literatura. No
percurso do estudo procuramos identificar nos contos traços expressivos deste diálogo, tais como a
presença da ancestralidade, a marca da oralidade – mitos, provérbios, lendas, fábulas – a criação de
neologismos, enfim, uma rica representação da realidade criada pelos escritores. Para ilustrar esta
confluência, escolhemos em especial o conto “Presepe” do livro Tutaméia, de João Guimarães Rosa e
“Noventa e três” de Estórias Abensonhadas do moçambicano Mia Couto. Vale ressaltar que a
pretensão deste trabalho, além de estabelecer aproximações no discurso oral das narrativas dos dois
autores, é também de contribuir para os estudos da produção literária brasileira em diálogo com as
literaturas africanas de língua portuguesa.
Pretendo, neste trabalho, tratar do fecundo diálogo de Ruy Duarte de Carvalho com a obra de Guimarães Rosa, diálogo este tecido na própria escrita do autor angolano. Meu interesse será lidar com a representação literária de modos de ser e de falar alheios (estranhos) àqueles que se apresentam como normais (familiares e adequados) no mundo ocidental ou ocidentalizado. Trata-se de refletir sobre a mimesis, ou seja, sobre a representação do outro e de sua fala, em contextos de confronto cultural, atentando para as instâncias da autoria, da voz narrativa e da representação da fala das personagens (fictícias ou não). Darei destaque para momentos de Desmedida: crônicas do Brasil (2006), da trilogia Os filhos de Próspero (Os papéis do inglês, 2000; As paisagens propícias, 2005; A terceira metade, 2009), de Ruy Duarte de Carvalho, e para Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Buscarei sugerir que a leitura feita por Ruy Duarte de Carvalho da ficção rosiana impregna a configuração de suas próprias estratégias de composição literária.
Este trabalho intenta refletir sobre a relação entre corpo e linguagem, a partir dos modos como ela é encenada em Nove noites, de Bernardo Carvalho, e “Meu tio o iauaretê, de Guimarães Rosa. No romance de Carvalho, narradores, agenciados pelo narrador-romancista, tentam esclarecer, a partir de múltiplos relatos, o suicídio de Buell Quain, que mutilou o próprio corpo, aniquilando-se, como resposta a um conflito entre seus desejos e o processo civilizatório que incide na existência de cada sujeito e a constitui. No conto de Rosa, por sua vez, o leitor depara com um narrador-escritor que, encenando o discurso oscilante do onceiro-jaguar, relata como o matou para salvar-se de ser devorado. Trata-se, portanto, de uma narrativa sobre a aniquilação de um corpo que, como último recurso à sobrevivência, volta-se à natureza animalesca, diante da incidência da linguagem impossível de realizar-se satisfatoriamente na língua (dominadora) do outro. Como recursos a essa reflexão, são agenciadas a concepção de linguagem de Benveniste (1989a, 1989b, 1976a, 1976b), a noção de ficção de Iser (2002) e a leitura do conto de Rosa feita por Wey (2005).
Embora a crítica machadiana e a rosiana já tenha se debruçado sobre essas narrativas, isoladamente, ou por meio de comparação, acreditamos haver alguns aspectos desses contos que merecem ser ainda explorados. Assim, o artigo propõe-se a comparar os dois contos homônimos de Machado de Assis e de Guimarães Rosa, procurando observar os pontos de convergência e os de divergência no que diz respeito à importância das narrativas na produção de cada um dos escritores, na concepção sobre o tema, na construção da história, na escolha dos narradores.
O presente trabalho tem como principal objetivo estudar as várias transformações do conto clássico “Chapeuzinho Vermelho” e, sobretudo, as transformações da personagem principal que dá nome à história. Tomando como base “Chapeuzinho Vermelho” (1812), dos Irmãos Grimm, e o seu desdobramento em três versões, “Fita Verde no Cabelo” (1964), de Guimarães Rosa, “Chapeuzinho Vermelho de Raiva” (1970), de Mário Prata e “Chapeuzinho Amarelo” (1979), de Chico Buarque de Hollanda, analisaremos as transformações da versão clássica até as suas versões modernas. Para isso, utilizaremos como apoio teórico principal tanto o estudo de Vladimir Propp em A Morfologia do Conto, para entendermos as funções presentes no conto tradicional, quanto Formas Simples, de André Jolles para entender a Forma Simples e a Forma Artística. Apoiando-se no que nos apresentam os dois teóricos, analisaremos a personagem Chapeuzinho nas diferentes versões, suas mudanças juntamente com as transformações do conto.
Os contos “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa e “Nas águas do tempo”, de Mia
Couto são construções ficcionais nas quais a figura do narrador conduz uma narrativa tomada pelos domínios da memória: são narradores velhos que rememoram uma experiência marcante da infância. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo aproximar os dois contos, desnudando as suas similitudes e diferenças. Nessa proposta, pretende-se focalizar a presença da memória na articulação das narrativas e os distintos processos que a rememoração provoca nesse artífice da palavra. De igual modo, intenta-se observar a relação do ser que narra com as demais personagens centrais dos contos, as quais são fundamentais na arquitetura das narrativas e na constituição do estatuto do narrador-personagem.
O artigo analisa, comparativamente, dois feiticeiros negros da literatura brasileira: Joaquim
Cambinda, personagem de A carne, de Júlio Ribeiro, e João Mangolô, do conto “São Marcos”, de João
Guimarães Rosa. No primeiro caso, vê-se um retrato estereotipado da prática religiosa de matriz africana, ao passo que, no segundo, tem-se um processo de resistência à opressão racial promovida justamente pelo exercício de linguagem envolvido no manejo da palavra mágico-religiosa.
Em Mia Couto e Guimarães Rosa, o conto torna-se um gênero preferencial pela possibilidade de incorporar as características da tradição oral, reinventando estórias em que o real e o imaginário se misturam e produzem um novo discurso literário. Nessa perspectiva dialógica entre a literatura brasileira e a moçambicana, mais precisamente entre estórias de Guimarães Rosa e Mia Couto, faremos uma análise do conto “Famigerado”, do livro Primeiras Estórias do escritor brasileiro, e do conto “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?”, do livro Vozes Anoitecidas do escritor moçambicano, observando como esses autores criam suas estórias numa perspectiva transculturadora.
Este artigo analisa as relações de indeterminação entre espaços e língua, tendo como pano de fundo os usos do termo schibboleth no contexto da tradição literária judaica e do pensamento germânico-judaico moderno. A partir da obra de Paul Celan, examina-se a palavra nos espaços de fronteira e ambivalência, a fim de se trabalhar a poética do limiar e, num breve excerto, dialogar com o conto “Famigerado”, de Guimarães Rosa, e sua forma de lidar com a ambiguidade da palavra. Percorrendo essa trajetória da relação entre literatura e espaços de indeterminação, chega-se ao contexto da linguagem digital para considerar algumas implicações da escrita no ciberespaço.