Este trabalho se pretende uma apresentação do último livro publicado em vida de João Guimarães Rosa, Tutameia: Terceiras estórias, e de parte de sua crítica. Inicialmente, discutimos a arquitetura complexa e enigmática do livro, onde os paratextos desempenham particular importância. Em seguida, tratamos, à luz de estudos dedicados a explorar a originalidade linguística da obra rosiana, das especificidades da linguagem de Tutameia em relação ao conjunto das narrativas de Guimarães Rosa. O livro é composto por “estórias” muito curtas, onde os sentidos estão condensados em muito poucas palavras. Dedicamos especial atenção, nessa discussão sobre a linguagem das Terceiras estórias rosianas, aos recursos tradicionalmente atribuídos à poesia que são utilizados na composição dos contos do livro.
O artigo toma por objeto a articulação voz e linguagem na obra Ó (2008), de Nuno Ramos, atentando à correlação desta bipartição à polaridade cultura e natureza, conforme consta na Política, de Aristóteles. Infere-se que Ramos elabora uma descida da linguagem à voz, procedimento que pode ser entendido como a inversão do esquema traçado por Padre Antônio Vieira no sermão “Nossa senhora do ó” (1640), no qual a voz é submetida à linguagem, o corpo ao espírito. Doravante, elegeremos o conto “Meu tio o Iauaretê”, de João Guimarães Rosa, como um possível precursor da expressão “ó” por fazer o ruído animal atravessar a comunicação, embora nossa conclusão seja a de que Nuno Ramos propõe uma decida de mão única do espírito à animalidade, do lógos à phoné, o que nos permitiria vincular sua humanista teoria da separação entre cultura e natureza àquela proposta pelo filósofo Giorgio Agamben; enquanto em Rosa haveria um procedimento perspectivista, como o teorizado pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, segundo o qual a natureza seria capaz também de possuir linguagem, saber.
Este ensaio se propõe a discutir o resto como causa do desejo tomando como percurso a obra “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa. Sua tessitura está organizada na margem onde se encontram literatura e psicanálise, articulação esta que se faz presente na referida obra onde estão em jogo o desejo e um resto, como causa desse desejo, que é incapaz de ser todo coberto pela linguagem. Não existe a intensão de explicar o conto, ao contrário, a perspectiva é a de explorar a riqueza do que ele possa representar, extraindo dele significações que possam ilustrar o desejo como causa do sujeito inconsciente.
"O Recado do Morro", narrativa que faz parte de Corpo de Baile (1956), de Guimarães Rosa, funda-se no motivo da viagem para privilegiar a escrita da natureza e a alegoria do Brasil.
Objetiva-se neste estudo realizar uma análise comparativa acerca da linguagem como elemento de transformação do homem nos contos A menina de lá, do escritor brasileiro do segundo quartel do século XX João Guimarães Rosa, e A menina sem palavra, do escritor Moçambicano Mia Couto, artista e pensador contemporâneo. A abordagem aqui proposta parte do pressuposto de que ambos os contos discutem linguagem, comunicação e infância a partir de um olhar muito perspicaz, no qual a palavra assume o papel de força transformadora, ressignificando a própria ideia de comunicação e contribuindo para a humanização das relações sociais.
Em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, há uma ligação intensa entre poesia e pensamento. Pretendemos com o presente texto especular, então, em torno dessa aproximação entre a poesia e o pensamento na obra do autor, partindo da narrativa do personagem e narrador Riobaldo. A linguagem como expressão do pensamento e da poesia é na obra de Guimarães Rosa, antes de tudo, saga, isto é, linguagem que mostra, que faz aparecer o real sem que, no entanto, se comunique nada a respeito desse mesmo real. Desta forma, a linguagem é o que em Grande sertão: veredas faz exceder a realidade para além de seus contornos, de suas margens.
O conto Famigerado, de João Guimarães Rosa, lido a partir da
teoria sociológica de Pierre Bourdieu, nos auxilia a demonstrar que a
linguagem é um instrumento de dominação e violência. Criticamos a leitura
do conto que defende a ideia de que o analfabetismo possa ser equivalente
ao encontro mais primitivo com a palavra. Insistimos na tese de que o poder
simbólico perpassa as relações de poder, constituindo-as e mantendo-as.
Concluímos sustentando a hipótese de que o conto pode ser lido como uma
alegoria do encontro entre a força física do jagunço e o poder simbólico
encarnado pelo médico, narrador do conto. Tal encontro explicita a
invisibilidade da violência simbólica, tornada visível, no entanto, através
literatura.
Propomos a seguinte questão: “Será o Homem um ser de linguagem que só existiria a partir do momento em que conseguisse estabelecer uma comunicação com o Outro e com o Universo ao seu redor? No conto “A menina de lá”, que integra a obra “Primeiras Estórias”,nos deparamos com uma complexa personagem idealizada por João Guimarães Rosa. Trata-se da Nhinhinha – uma menina com menos de quatro anos de idade-, que nos revela a dificuldade da criança diante da necessidade de comunicar-se. Neste conto de João Guimarães Rosa, a personagem principal personifica a relação da criança com o poético. Esta relação entre criança e poesia pode ser constatada em várias instâncias. É imprescindível ainda levarmos em conta como uma criança processa as suas próprias reflexões e nos aprofundarmos em sua forma de raciocínio, apreensão e expressão destas.
Articulando uma interpretação de Grande Sertão: Veredas junto a leituras dos pensadores marxistas Karel Kosik e Theodor Adorno, entre outros, pretende-se, aqui, explicitar como a arte, e a obra em estudo especificamente, torna-se o “demônio” da ciência histórica, e como o pensamento em torno do personagem Riobaldo mostra fulcros entre narrativa histórica e ficcional, desafiando tanto a história, que afirma sua completude, quanto alguns segmentos da crítica literária, que negam a ligação da literatura com o social. Considerando que a transformação humana deixa marcas na narrativa, na arte, na ciência e na linguagem, busca demonstrar-se, neste trabalho, o choque entre tais construções humanas e como isto se expressa na linguagem do homem e de Riobaldo, expondo as contradições com que o pensamento, em especial o marxista, luta, e a intervenção da arte no processo crítico da práxis. As tensões entre as constituintes da reflexão dialética materialista, se perpetradas na linguagem e no narrar do sujeito, dão espaço para um ato criativo que se coaduna com a construção histórica dele mesmo no ato narrativo, e a construção linguística na qual se insere o poético, a busca incessante do sentido no risco da falta do sentido, a defrontação do homem perante o que ainda não tem palavra, mas que o impulsiona a criar para estar no mundo e recriá-lo.
Este trabalho visa explorar o complexo sistema percorrido pelo ser puro e intransitivo da linguagem literária apontado por Michel Foucault, a qual comanda os fluxos poéticos de Guimarães Rosa em Ave, Palavra, por meio da análise de certos procedimentos de criação linguística e elaboração estilística presentes em toda sua composição; destina-se também a investigar o lirismo que mana do verbo essencial, o qual se dobra sobre si mesmo, ocultando as várias faces da palavra original e a insólita intenção da escrita roseana de reverenciar a arte poética, visto que Ave, Palavra comporta uma ação lírica articulada no espaço soberano da obra.
A poesia que mana de Ave, Palavra flui da pluralidade significativa de sua escritura, resulta da unidade de elementos interiores à obra e da entrega incondicional do poeta, uma ação que o conduz ao lugar da essência da linguagem. O canto inaugural da poesia roseana penetra na fala atemporal da linguagem para então estabelecê-la a partir dela mesma de forma genuína. Pretendemos neste trabalho a análise de alguns aspectos da última obra escrita por João Guimarães Rosa, conduzidos pelo pensamento de Martin Heidegger acerca do processo que en-caminha a essência do poeta ao lugar de onde a linguagem subverte o próprio tempo e lhe acena por meio do fenômeno da criação poética.
A partir da constatação do valor polissêmico do signo verbal, Guimarães Rosa, no conto “Famigerado” do livro Primeiras estórias, traz à baila a reflexão sobre o poder do discurso letrado e o eterno desejo do homem de tomar posse do conhecimento. Com base nesse conto, este trabalho pretende meditar sobre a faculdade do discurso de malear a palavra, dobrando-a de acordo com conveniências preestabelecidas. Dessa forma, o domínio da palavra será examinado como estratagema simbólico para imposição de uma concepção de mundo mais em consonância com interesses de grupos ou classes que exercem as prerrogativas de senhores do saber.
Este ensaio analisa a trajetória do personagem Chefe Zequiel (“Buriti” – Noites do sertão). Destacamos dois eixos interpretativos: o lugar social que o Chefe ocupa e sua relação com a noite. Nos delírios de Zequiel é possível ler a explicação mitológica do nascimento da noite e o prenúncio de novos tempos.
Este trabalho objetiva tecer considerações sobre o contador de estórias no projeto estético-literário de Guimarães Rosa. Para tanto, procederemos a uma breve revisão da crítica rosiana, destacando clichês, para, a seguir, aprofundarmo-nos em aspectos desse projeto, como a noção de regionalismo deste autor, o seu trabalho com a linguagem e a figura do contador de estórias, de matriz oral, que será por nós interpretada como um narrador atuante em tempos modernos. Faremos uso da figura de diversos contadores de estórias que surgem em obras de João Guimarães Rosa, nos fixando em especial nas novelas “Buriti” e “Cara-de-bronze”. Nosso objeto de estudo configura-se basicamente como uma indagação: que faz a ancestral figura do contador de estórias em uma narrativa moderna? Nossas considerações desejam oferecer trilhas, pistas, para se compreender o lugar que ocupa a categoria contador de estórias nos textos de Rosa, categoria essa haurida da literatura oral.
Como o próprio título sugere no conto “Desenredo”, de Guimarães Rosa, há uma forte carga semântica de um texto maduro que desconstrói as formas anteriores da formatação da narrativa. Pertencente a terceira fase modernista, o regionalista brasileiro nos traz temas universais, em traços próprios, a partir de um narrador que teoriza e dinamiza a narrativa através de expressões populares e de um discurso elíptico, tornando o leitor participante ativo na construção de sentidos. Sob esses parâmetros, inclinamos a nossa análise do conto a observar o gênero literário em Julio Cortázar (1993); os elementos narrativos; vistos na Coleção da Série Princípios, e, sobretudo, a utilização da linguagem poética como recurso teórico e de exibição do fragmentário e caótico na literatura modernista, sob orientação de Alfredo Bosi (2013) e Antonio Candido (1989). Bem como, observamos o uso da ironia na construção de sentidos com base nos estudos de Georges Minois (2003) que, trasvestida do capote regional, leva-nos à questão central do conto: a temática da felicidade.
A novela “Conversa de bois”, de João Guimarães Rosa, se configura a partir da contação de causos por parte de diversos narradores – homens e animais do sertão. Mediante eloquente escala narrativa, a saga encenada acontece pelo entrelaçamento de retalhos dos eventos capturados aqui e ali pelos seus partícipes, que os transformam em criação literária. O presente estudo tem, pois, como objetivo demonstrar que, através da dialética entre fala, escuta e escritura, Rosa engendra um enredo cuja força motriz provém de uma técnica conhecida como “escritura de ouvido”, em que cada personagem, a seu turno, baseado em intuição e sensações, se empodera da soberania autoral ante a fala e sua subsequente transcrição, montando, assim, uma monumental diáspora mitopoética.
Este artigo propõe uma reflexão acerca da linguagem como abertura para novas formas de vida. A partir de um diálogo com a novela “Cara-de-Bronze”, de Guimarães Rosa, e com textos de Wittgenstein, Viveiros de Castro, Beckett, entre outros, busca-se pensar na língua como passagem, como silêncio e como esquecimento. Ao observar a materialidade atuante na escrita performática, o trabalho procura mostrar a linguagem como um espaço de encontro com as diferenças do outro e com a indeterminação da vida. O silêncio não deve ser compreendido como ausência de som, e sim como uma escuta que atenta para os ruídos do mundo ao redor, possibilitando assim o surgimento de outras sensibilidades.
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a estruturação da linguagem poética na construção de Grande Sertão: Veredas e confirmar sua contribuição na expressividade do amor dos protagonistas. Pretende-se que a relevância do trabalho configure-se em acréscimo à fortuna crítica da obra. Para isso, apresentou-se uma concisão da história, da biografia do autor, do contexto histórico da obra e do que se entende como fio condutor do enredo. Em seguida, por meio de uma pesquisa de cunho bibliográfico, buscou-se embasamento teórico em autores e estudiosos do assunto como Mikhail Bakhtin, Roland Barthes e Jean Cohen entre outros. O estudo desses teóricos possibilitou a análise da estrutura composicional da linguagem, estilização e recursos de linguagem explorados pelo autor, os quais conferem à obra a característica poética. Para a compreensão formal da obra, observaram-se, minuciosamente, os elementos da narrativa. Ao final, percebe-se que a plurissignificação e a estilística são preponderantes no processo roseano de reinvenção da língua. O resultado comprova que a prosa revestida de poesia contribui para a expressividade do amor entre os protagonistas.
O trabalho analisa o conto Desenredo, de Guimarães Rosa, apresentando uma reflexão sobre a linguagem tendo em vista o processo de representação/criação do mundo e seu caráter axiológico. O objetivo é demonstrar como o conto aponta para questões fundamentais da linguagem humana no que diz respeito ao processo dialógico, revelando a linguagem como possibilidade única de concretização de um sujeito no ato discursivo em que inexoravelmente assume um tom, uma posição e evidencia uma responsividade, uma autoria. Fundamenta-se na perspectiva da análise dialógica do discurso concebida pelo Círculo bakhtiniano apresentando ainda teóricos como Émile Benveniste e outros.
A língua, na perspectiva de João Guimarães Rosa, é uma marca que se imprime de maneira particular em cada sujeito falante e que se presta a um uso singular. As palavras, pois, se prestam a um uso de comunicação e veiculam um sentido, mas igualmente resistem ao próprio sentido. O próprio Guimarães Rosa demonstra isso em sua obra literária ao criar uma língua própria, formada por neologismos, aglutinações de palavras, sentidos conferidos pela homofonia e por sons que são próprios da vida e da fauna sertanejas. Há um ilegível que atravessa e insiste em todos os seus escritos, um ponto que resiste a toda e qualquer tentativa de decifração. A partir das noções expostas, busca-se abordar as concepções linguísticas e literárias de Guimarães Rosa a partir da Psicanálise, se utilizando das concepções de linguagem e escrita próprias do último ensino de Lacan.