A partir dos documentos de trabalho de Guimarães Rosa, este artigo explora as implicações entre memória e a construção de paisagens literárias em sua obra, sublinhando o quanto a difusão de imagens do próprio autor, como as da expedição de 1952, afeta de modo inevitável nossa leitura contemporânea.
Este artigo constitui uma versão modificada de parte de minha tese de doutorado, e trata da questão do nome e da nomeação no romance Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. A partir da teoria da linguagem de Walter Benjamin e de algumas noções da psicanálise, como inconsciente e recalque, o estudo procura analisar as relações entre a palavra, a imagem, a memória e o esquecimento.
Este artigo problematiza a narrativa da dor e do trauma em obras testemunhais e em trabalhos ficcionais, tomando como objetos de análise textos memorialísticos do escritor italiano Primo Levi, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, e o romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em especial as lembranças descritas por seu protagonista, o personagem Riobaldo Tatarana. Para tanto, propomos uma abordagem multidisciplinar, com escopos teóricos da narrativa e dos conhecimentos sobre afeto e memória, tendo em perspectiva as figuras fantasmáticas que esses textos trazem. As correspondências e aproximações entre os discursos em análise revelam efetivos laços que os unem, desde que lidos sob horizontes que ampliem suas mensagens, redefinam seus contornos e apostem em encontros simbólicos que enriqueçam o olhar a respeito da produção dos autores investigados.
Em Guimarães Rosa, muito mais do que questões linguísticas ou regionalistas, o que se destaca é a experiência humana que, de certa forma, torna-se transcendente, pois é através de seu entendimento do que é a existência em si que ele consegue captar uma terceira margem do ser. A inserção de uma terceira margem ao rio reflete uma espécie de inquietação, pois Guimarães Rosa nos sugere abandonar margens preestabelecidas e, talvez, seguras, e estabelecer outra. O presente trabalho analisa o conto “A terceira margem do rio” procurando marcar os caminhos em que se busca pelo transcendente, por um percurso que possa romper os limites entre o mundo cotidiano e o mundo metafísico. Ao instaurar-se a terceira margem, instaura-se certa descontinuidade necessária que leva o ser a perceber-se como autêntico e, aí sim, livre.
Este artigo pretende analisar a questão da temporalidade nos contos “As margens da alegria” e “Os cimos”, do livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, observando questões relacionadas à narrativa. Há que enfatizar que este estudo não visa à identificação de todos os “tipos” de tempo, mas procura verificar em que medida ele – o tempo – se apresenta como uma categoria importante do processo narrativo.
Em relatos pessoais de João Guimarães Rosa, a autora colhe dados sobre episódios da infância e aspectos da paisagem da terra natal do escritor. Correlaciona-os com a criação ficcional, notadamente em Sagarana, segundo conceitos relativos ao fato de que as lembranças também se inventam, pois a fantasia se associa às recordações de infância na memória do adulto.
Esse trabalho pretende dar uma nova abordagem ao termo contemporâneo na Literatura, conferindo-lhe um tratamento que vislumbra não sua concepção cronológico-histórica, mas uma mentalidade de desconstrução que emerge com uma série de mudanças e desilusões trazidas pelas fracassadas pretensões da modernidade. Dessa forma, as retinas do presente lerão um Guimarães Rosa contemporâneo e seu conto "Nenhum, Nenhuma" incorporará a condição de crônica intermitente, que evidencia a percepção do autor mineiro para continuidade dos grandes problemas que afligiram a história dos homens. Serão temas recorrentes na reflexão que aqui se trava a situação fragmentada do sujeito contemporâneo e o estiolamento de sua experiência identitária, o apárecimento da figura do outro, do exilado e, sobretudo, o papel da memória na lógica de ser no mundo contemporâneo e na estruturação das peculiaridades desse fazer literário, como, por exemplo, a narrativa arruinada benjaminiana.
Em 1947, uma expedição organizada pela Universidade do Brasil (UB), no Rio de Janeiro, rumou para Mato Grosso e percorreu Campo Grande, Corumbá, Nhecolândia e o Pantanal Mato-Grossense. O grupo foi composto por estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, coordenados pelo professor Hilgard O’Reilly Sternberg, e estudantes do Instituto Rio Branco, liderados pelo diplomata, professor e escritor João Guimarães Rosa. Informações sobre esta expedição pouco aparecem nos registros de literatura e arte, constando apenas em passagens vagas e incompletas sobre o período na bibliografia de Rosa. A história desta expedição será brevemente apresentada com base numa investigação (ainda em processo) em arquivos públicos e privados. Uma reflexão baseada no discurso de posse de Rosa na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, abordará a sua relação com a poesia e a geografia. O texto “Sanga Puytã” (1947), do autor, será explorado em um exercício para compor um esboço da paisagem da expedição. O artigo se encerra com a argumentação sobre o uso da linguagem verbo-visual e de ferramentas para compor a história da expedição de1947 ao Pantanal.
Muito já se escreveu sobre Grande Sertão: Veredas, sobretudo a respeito do conceito de sertão como microcosmo, bem como, em termos de linguagem, da técnica narrativa do monólogo-diálogo. Neste artigo, pretende-se investigar os elementos de memória presentes na obra. O produto da tentativa do narrador-protagonista Riobaldo de entender o sentido de sua vida ao rememorar eventos tem como resultado um tipo de relato memorialístico. Ainda que tais eventos sejam ficção, Guimarães Rosa os situa em um plano temporal e espacial concretos, o que permite revelar um enquadramento social a partir dessa “memória individual” de Riobaldo enlaçada à memória coletiva do sertão. O diálogo teórico abarca dois textos básicos, o de Eduardo F. Coutinho, sobre Grande Sertão: Veredas, e os estudos de Marina Maluf sobre memória.
Os contos “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa e “Nas águas do tempo”, de Mia
Couto são construções ficcionais nas quais a figura do narrador conduz uma narrativa tomada pelos domínios da memória: são narradores velhos que rememoram uma experiência marcante da infância. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo aproximar os dois contos, desnudando as suas similitudes e diferenças. Nessa proposta, pretende-se focalizar a presença da memória na articulação das narrativas e os distintos processos que a rememoração provoca nesse artífice da palavra. De igual modo, intenta-se observar a relação do ser que narra com as demais personagens centrais dos contos, as quais são fundamentais na arquitetura das narrativas e na constituição do estatuto do narrador-personagem.
A infância e a vida adulta de João Guimarães Rosa já ganharam as páginas de biografias, memórias e estudos que evidenciam a sua genialidade e, por vezes, ultrapassam o aspecto formal das biografias para o leitor adulto, transformando-se em obras específicas para o público infantil e juvenil. “João, o menino Rosa”, de Lúcia Fidalgo (2011), e “João, Joãozinho, Joãozito: o menino encantado”, de Claudio Fragata (2016), são exemplos dessas ocorrências. A primeira é uma biografia para crianças e a segunda é uma obra literária juvenil inspirada na vida, sobretudo na infância de João Guimarães Rosa. Este artigo, resultante de pesquisa qualitativa de natureza aplicada, procura perceber em que medida os dois autores contemporâneos se colocam em diálogo com algumas publicações de teor memorialístico sobre o autor mineiro. Não se pretendeu refazer o itinerário de pesquisa dos dois autores, embora tenha sido inevitável embarcar nos seus percursos criativos para concluir que, nas suas elaborações, as reminiscências da vida do autor mineiro evidenciadas nas memórias de seu tio, sua filha e de especialistas, estão pulsantes, à espera do leitor infantil e juvenil. Assim, a vida de João Guimarães Rosa não constitui um círculo fechado e intocável, e é nesse sentido que o exercício que se realiza aponta para o aproveitamento de suas memórias na composição da escrita para crianças e jovens na atualidade.
Este artigo apresenta um estudo sobre os contos A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa, e Nas Águas do Tempo, de Mia Couto. O objetivo é analisar como elementos das referidas obras da literatura brasileira e da africana, respectivamente, poderiam remeter à memória e a tradição dos tempos e lugares. Esta pesquisa é qualitativa e a análise desenvolve-se ancorada no escopo teórico acerca de reflexões sobre a memória e tradições culturais. Neste estudo, procura-se evidenciar a relevância de se lançar olhar às literaturas ficcionais também como constructos de (e para) os tempos e lugares.
Este artigo visa discutir a possibilidade de abordar uma obra literária -
Grande Sertão: Veredas, clássico de João Guimarães Rosa - como “lugar de
memória” e ponte para penetrar na história do sertão de Minas Gerais, região quase
sempre colocada à parte ou marginalizada na produção acadêmica. Retomando
criticamente as ideias de alguns autores que contribuíram para a teorização sobre as
relações entre memória e história, procuro apontar caminhos interpretativos e
possibilidades de utilização da referida obra na ciência histórica.
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma pequena análise sobre o conto “Meu tio o Iauaretê”, conto incluído no volume Estas estórias, de Guimarães Rosa, publicado em 1969. Para tanto, observou-se a metamorfose do personagem, elemento muito recorrente nas narrativas míticas. A metamorfose homem-animal percorre o texto, o onceiro como branco incide contra os valores da religião judaico-cristã; como índio, defende alguns valores do mundo branco e, como animal, entra em confronto com a sua natureza humana. A situação de conflito permeia o texto, que se expressa por meio do monólogo-diálogo, indo da palavra para a não palavra. Guimarães Rosa, nesse conto, atinge o auge do seu experimento com a prosa.
O presente artigo traz uma análise do conto "Rebimba, o bom", de João Guimarães Rosa. O conto integra a última obra publicada em vida pelo autor, intitulada Tutameia (terceiras estórias), composta de quarenta contos curtos. A leitura analítica deste conto parte de uma breve contextualização da obra e algumas considerações acerca da opção narrativa empregada no texto. Na sequência, é realizado um detalhamento de como o narrador-personagem anônimo constrói a estória,
em uma alternância pendular de felicidade e infortúnio, até a conclusão conciliadora do conto, em que se revela a figura misteriosa de Rebimba. Para auxiliar na tarefa analítica, foram
retomados estudos da obra de Rosa realizados por Nilce Sant’Anna Martins (2001), Vera Novis (1989), Silviano Santiago (2001) e Irene Gilberto Simões (1988). Espera-se, com esta leitura,
contribuir com os estudos acerca da produção contística de Guimarães Rosa.
Este ensaio pretende analisar as concepções de memória presentes no conto Nenhum, Nenhuma, de João Guimarães Rosa. Partimos da hipótese de que o escritor mineiro utilizou as ideias de Platão e Bergson na construção deste conto.
Este estudo analisa o conto “Nenhum, nenhuma” de João Guimarães Rosa, presente em Primeiras Estórias (1962) sob a perspectiva da memória e do reconhecimento. Para tal, utiliza-se bibliografia adequada ao tema, como a conferência “Memory, History and Oblivion” (2003), de Paul Ricoeur e Maurice Halbwachs, Memória Coletiva (1990). Ambos os autores tratam dos processos de recuperação da memória dentro do âmbito individual e coletivo, assim como analisam as maneiras como o indivíduo reacessa seu elementos fragmentados. Além disso, analisa-se e discute-se os estudos anteriores sobre a mesma obra de Guimarães Rosa, como Tatit (2009), Pacheco (2006) e Perrone-Moysés (1978). Ao fim do presente texto, propõe-se uma leitura para a segunda estória – segundo a teoria de Bueno (2014) – presente em “Nenhum, nenhuma”.
Leitura de aspectos da cultura popular, presentes no processo de construção ficcional de Guimarães Rosa, o “contista de contos críticos”, que confessara: "Não preciso inventar contos, eles vêm até mim”. Pela alquimia da palavra em seu estado primitivo, a fusão do real e ficcional com o obsessiva defesa de que "a legítima literatura deve ser vida". A multiplicação do imaginário rural mineiro na narrativa rosiana, especificamente, em contos de Tutaméia e Ave, Palavra. Historia e estória no cotidiano do povo do sertão mineiro. Pelo jogo da memória narrativa popular, a construção da identidade cultural sertaneja e a recriação do mito: "No sertão, o homem é o eu que ainda não encontrou o tu: por isso ali os anjos ou o diabo ainda manuseiam a língua".
Examinar o conto “Rebimba, o bom”, de Guimarães Rosa, em suas imagens, ritos de iniciação e passagens de luto e de melancolia é propósito deste ensaio. Como um roteiro para a compreensão do imaginário na formação da identidade do sujeito, o texto rosiano apresenta imagens insólitas. É o caso de Rebimba, fantasia recalcada e, ao mesmo tempo, realçada pela repetição das memórias nos diferentes estágios da vida do protagonista anônimo: uma interpretação possível que dribla com os jogos da linguagem própria dos chistes que ora se mostram, ora também se escondem na complexidade de suas formas e sentidos.
Este artigo tem três objetivos. Em primeiro lugar, busca analisar o papel decisivo desempenhado pela canção popular na composição do projeto literário de Guimarães Rosa. Em segundo lugar, pretende apontar, ao menos em parte, algumas das razões que ajudam a entender a afinidade do compositor popular brasileiro com a obra de Guimarães Rosa. Em especial, o artigo procura compreender o impacto que a leitura da obra de Guimarães Rosa imprimiu na sonoridade elegante e sofisticada das composições de Tom Jobim ? sobretudo, nos dois discos autorais produzidos na primeira metade da década de 1970, Matita Perê (1973) e Urubu (1975). Por último, este artigo arrisca uma hipótese: a existência de uma longa e venerável trama de vínculos entre a literatura e a canção popular brasileiras.