O trabalho traça a evolução e as transformações do tema da Idade de Ouro, como tem surgido insistentemente na cultura ocidental, desde Hesíodo, examinando três instâncias literárias importantes em que desponta com preeminência: Lewis Carroll, Dante e Cervantes. A partir desta perspectiva, indico como surge o ideal da Idade de Ouro nas memórias de Riobaldo, de maneira peculiar sua e, ao mesmo tempo, de certa forma, de maneira similar às mencionadas incidências literárias do tema.
A ideia de que há um percurso do olhar ao desejo na relação entre Riobaldo e Diadorim, personagens de Grande Sertão: Veredas, é o que movimenta esse trabalho: através das teorias de Jacques Lacan, Sigmund Freud e Maurice Merleau-Ponty sobre o olhar e o desejo pode-se examinar esse percurso e determinar a influência que cada elemento exerceu no outro e a influência que esse conjunto, em sua totalidade, exerceu no romance de João Guimarães Rosa.
Este artigo percorre o modo como o filósofo e crítico literário Benedito Nunes pensa a relação entre filosofia e literatura em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Observamos que Nunes reflete sobre essa relação tendo como ponto de convergência o fenômeno da linguagem. Por meio de evidências retiradas da obra, Rosa (2006) usa a linguagem narrativa para pensar questões como o Ser, o Mundo, o Ser-no-Mundo, a Travessia, o Diálogo, a Verdade. Logo, o romance converte-se em uma reflexão sobre o sentido da existência e o lugar do homem no mundo.
O presente ensaio, prevendo a relação entre literatura e filosofia, trata da questão do pacto em Grande Sertão: Veredas, romance publicado em 1956, por João Guimarães Rosa, e parte da ideia de que as questões da existência do diabo e da possibilidade do pacto, são as grandes dúvidas que vigoram na obra do autor mineiro, e fatos que se desvelam responsáveis pela problemática central do romance, por meio dos quais sairão todos os outros questionamentos sobre a existência humana: o ser ou não ser; o bem e o mal; vida e morte; deus e diabo, o amor e verdade. Para tanto, propomos um tipo de hermenêutica que possibilita o intérprete, ao questionar a obra, ser por ela questionado, indo em busca do que lhe é próprio: é o que chamamos de exercício de escuta crítica.
A proposta deste trabalho é apresentar o estudo da obra “Campo Geral” (1976) de Guimarães Rosa centrado na análise da personagem Miguilim em seu percurso de formação. Há, nesta narrativa, o acompanhamento da consciência do protagonista e o privilégio de se conhecer o crescimento da força e da liberdade interiores da criança em condições adversas. Ao lado da natureza, o contato com o microcosmo familiar do menino prepara-o para a saída do Mutum e para enxergar o mundo. A análise dessa trajetória pretende destacar aproximações com o romance de formação Emílio (2004) de Jean-Jacques Rousseau.
Em Guimarães Rosa, muito mais do que questões linguísticas ou regionalistas, o que se destaca é a experiência humana que, de certa forma, torna-se transcendente, pois é através de seu entendimento do que é a existência em si que ele consegue captar uma terceira margem do ser. A inserção de uma terceira margem ao rio reflete uma espécie de inquietação, pois Guimarães Rosa nos sugere abandonar margens preestabelecidas e, talvez, seguras, e estabelecer outra. O presente trabalho analisa o conto “A terceira margem do rio” procurando marcar os caminhos em que se busca pelo transcendente, por um percurso que possa romper os limites entre o mundo cotidiano e o mundo metafísico. Ao instaurar-se a terceira margem, instaura-se certa descontinuidade necessária que leva o ser a perceber-se como autêntico e, aí sim, livre.
Neste artigo serão postas em diálogo as áreas literária e filosófica a partir do conto de Guimarães Rosa, O espelho e o pensamento do filósofo Martin Heidegger, mais precisamente no que tange às questões relativas à revelação e transformação do homem. No referido conto, apresentam-se pontos que coadunam com a vertente proposta por Heidegger, a saber, de que os conceitos não conseguem dar conta não apenas das questões, mas também da visão do homem sobre si mesmo, permeada de ilusórias perspectivas. Objetiva-se demonstrar que o homem afastou-se das questões que o cercam e permeiam o mundo, na tentativa de suprimir o incômodo gerado pela indefinição de si.
O presente artigo tem como objetivo estabelecer relações entre filosofia e literatura na busca por analisar a presença da questão do mal na obra Grande sertão: veredas (2015), do escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), tendo como base de interpretação a hermenêutica filosófica de Paul Ricoeur (1913-2005), mais especificamente a partir das obras: A simbólica do mal (2013) e O mal – um desafio à filosofia e à teologia (1988). Ambas se constituem em estudos hermenêuticos de Paul Ricoeur para compreender os símbolos do mal. Mediante uma antropologia filosófica, o hermeneuta francês discorre sobre como o ser humano é suscetível à possibilidade do mal, pois sentimentos como medo, culpa, pecado, por vezes dominam o imaginário, o agir e a natureza da vontade humana. Em Grande Sertão: veredas, o narrador o ex-jagunço Riobaldo, vulgo Tatarana, vulgo Urutu-branco, apresenta, já no início da narrativa, sua dúvida acerca da existência do diabo. Ele não questiona somente a existência de tal ser, mas também e principalmente o poder que ele tem, se ele é mesmo capaz, por exemplo, de tomar a alma das pessoas por meio de um pacto. Em contrapartida, para Riobaldo está clara a existência de Deus. A existência de Deus é certa para o sertanejo, pois é a fé e a confiança na bondade de Deus é que mantém o herói rosiano esperançoso por remissão.
Acompanharemos os ciclos de desenvolvimento de Miguilim aproximando os problemas enfrentados por ele com esta questão filosófica: o fundamento dos nossos juízos bonito/feio, certo/errado. Ela se desdobra nesta outra, não menos filosófica: a validade ou não das categorizações dicotômicas com que apreendemos a realidade, já que a divisão é da lógica e não da realidade. Quatro episódios da trajetória do menino ocuparão o centro de nossa análise: discussão se o Mutúm é lugar bonito ou feio; desejo de obter aprovação e evitar censura ao atravessar por entre vacas; vontade de saber se é malfeito ou bem-feito entregar à Mãe o bilhete de Tio Terêz; luto da morte do Dito e seu fracasso de tentar encontrar o vivo no morto.
O artigo apresenta uma investigação sobre a influência da filosofia existencialista na construção de uma personagem da literatura brasileira. A personagem escolhida é Augusto Matraga do conto “A hora e vez de Augusto Matraga” da obra Sagarana de Guimarães Rosa. Através de uma pesquisa bibliográfica far-se-á a análise dessa influência na construção da personagem. Partindo do pressuposto que ninguém nasce pronto e acabado, e, que assim como o ser humano é um projeto em construção, a personagem Matraga traz em si características que muito a aproxima da filosofia existencialista. Observa-se que
Rosa estabelece um diálogo entre a literatura e filosofia. Tal fato vem reforçar a importância do conhecimento filosófico na compreensão da obra literária do autor. Ao mesmo tempo vê-se como pertinente que o professor de filosofia dialogue com os demais professores na tentativa da interdisciplinaridade, o que poderá ser muito produtivo na aquisição do conhecimento.
Para los lectores chinos, la literatura brasileña es todavía un territorio poco explorado mientras que el cuento “La tercera orilla del río” de Gimarães Rosa está disfrutando de una mayor aceptación y ha dejado trascendentes influencias en los escritores chinos. En el presente artículo se intenta principalmente acercarse de nuevo a este clásico partiéndose del pensamiento filosófico del Taoísmo.
Este artigo estabelece um cotejo entre o episódio do julgamento de Zé Bebelo (da obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa) com o evento do julgamento de Sócrates tal como chegou até nós pelos discípulos Platão e Xenofonte. Discutem-se as semelhanças entre os julgamentos e põe-se em evidência a reflexão política e filosófica que está em jogo em ambas as situações, especialmente nos desenlaces distintos que apresentam. Foram utilizados comentários e informações de I.F.Stone em seu livro O julgamento de Sócrates.
O artigo visa pensar a possibilidade de uma antropogênese da humanidade fora das malhas da fenomenologia e da ontologia tal como a propugna o filósofo Emmanuel Lévinas. Isso supõe nuclear seu pensamento em torno de uma significância do non-sens e uma linguagem pós-ontológica que não traia o Dizer ético originário firmado na relação sem relação com outrem. Trata-se, portanto, de mostrar que a linguagem profética da humanidade fora de si alterada pelo advento do outro reverbera na linguagem poética do literato Guimarães Rosa graças à maneira como a carnalidade humana insurge como uma forma de quiasma que possibilita a intriga entre o discurso profético e poético em função de “outra maneira que ser” da ética da alteridade.
A interpretação canônica do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, nos fala da existência humana diante da morte. O pai morre (a canoa é o caixão) e vai para a dimensão transcendente ― a terceira margem do rio. O filho permanece fiel à memória do pai, recusandose a esquecê-lo e, portanto, recusando-se a aceitar a morte do pai e a sua própria morte. Gostaria de propor uma interpretação diferente fazendo uma análise intertextual com o poema de Fernando Pessoa, “Navegar é preciso;
viver não é preciso”. Fernando Pessoa recebeu influência do existencialismo de Heidegger e de Sartre. Nesta interpretação, o conto de Guimarães Rosa é uma metáfora da condição humana. A terceira margem é simultaneamente o não-lugar da loucura e dos projetos de vida. O não-lugar não se confunde com nenhum lugar, pois ele indica um lugar que ainda não existe concretamente, mas que existe enquanto significador das ações existenciais. Eu estou direcionado para este lugar. Assim, o pai insiste em fixar o seu projeto individual (a canoa) em um rio que não para de correr (a finitude da vida; o transcorrer da temporalidade). Esta é a característica marcante da existência humana: a tentativa de enraizamento no fluxo contínuo do tempo vivido. Permanecer na mudança; fixar o transitório; banharse duas vezes no mesmo rio (segundo Heráclito, isso seria impossível, pois o rio já não é o mesmo, assim como você mesmo). Segundo Pessoa, viver não é necessário; o que é necessário é criar. Diante de uma existência humana sem nenhum sentido a priori, só nos resta criarmos, nós mesmos, um sentido para ela, através de um projeto de vida, mesmo que esse projeto seja ficar navegando no mesmo lugar de um rio.
Pretendemos com este texto relacionar a escritura rosiana à filosofia do álcool, conforme proposta no livro O último copo: álcool, filosofia, literatura (2013), de Daniel Lins, que, por sua vez, inspira-se na vida e no texto do filósofo francês Gilles Deleuze, um ex-amante do álcool, tanto em suas possibilidades libertárias quanto estéticas. Abordaremos a escritura e a vida de João Guimarães Rosa tomando como referência o terceiro prefácio do livro Tutaméia, “Nós, os temulentos”, que quer dizer “Nós, os bêbados”, no sentido de rastrear uma presença do álcool e de suas possibilidades filosóficas e estéticas no texto rosiano. Tais aspectos já haviam sido, de certa forma, desenvolvidos anteriormente tendo como referência a filosofia trágico-embriagada do poeta filósofo Nietzsche no livro Mundanos fabulistas: Guimarães Rosa e Nietzsche (2011).
Pretendemos abordar Tutaméia, de Guimarães Rosa, enquanto obra de arte. Para isso, perguntamos: o que torna um livro uma obra de arte? Nesse itinerário, abordaremos o pensamento de Gilles Deleuze como principal referência. Se a literatura interessa-se pela filosofia, se o próprio Guimarães Rosa, no prefácio “Aletria e hermenêutica”, extrapola o limite da produção artística em direção a uma propositura conceitual do fazer literário, também a filosofia interessa-se pela literatura, quer porque dela espere um engajamento em certo sistema de pensamento, quer por que encontre o refúgio de todos os sistemas. Deleuze coloca a arte ao lado da filosofia e da ciência como os três modos fundamentais do pensamento.
A cada uma dessas caberia uma relação própria, um devir próprio, um modo diverso de relacionar acontecimentos
e estados-de-coisas, correspondendo à arte o papel de “incorporar” acontecimentos, tornar acontecimentos
“blocos de sensação”. Nesse sentido, as considerações, portanto, que deixam entrever uma compreensão do último livro de Rosa, o qual, por algumas vezes, recorre a elementos intertextuais, não deixam de ser uma compreensão eminentemente intratextual, uma perspectiva do livro pelo livro que se recusa a buscar na figura do autor-pessoa, ou em categorias tomadas de empréstimo à psicologia, à psicanálise, à sociologia ou a qualquer outra ciência, os elementos necessários
à sua sustentação. Buscaremos, com isso, uma compreensão, e, ao mesmo tempo, deixar abertas as múltiplas perspectivas sobre a obra, uma vez que é próprio dessa compreensão perspectivista manter o livro aberto, como infinitude da narrativa.
O objetivo do presente texto é destacar a experiência do pensamento no personagem Riobaldo em
Grande Sertão: Veredas, obra do literato Guimarães Rosa, que, ao rememorar suas experiências de
jagunço no sertão, reflete sobre a condição humana; Deus e o diabo; os fenômenos da natureza e as
manifestações diversas e adversas que envolvem o universo humano, enquanto o homem realiza sua
travessia em vida. O recorte sobre o pensar/pensamento que Rosa efetiva por meio do jagunço sertanejo destaca o espanto, considerado por Heidegger, a origem da filosofia, despertando no personagem o pensar que o faz superar sua mera condição de jagunço para um homem capaz de pensar sobre as coisas que envolvem não só sua vivência no Sertão, mas aquilo que faz parte do universo humano como um todo; aproximando desse modo, a literatura da filosofia.
“Lá, nas campinas”, conto de Tutameia – terceiras histórias, de Guimarães Rosa, é um texto que nos possibilita refletir sobre a relação do homem e a paisagem e, consequentemente, sobre o que o identifica com o lugar de sua experiência histórica. Este artigo propõe uma reflexão crítica do referido conto no que diz respeito a questões que discorrem sobre lugar (“Lá, nas campinas...”), num Drijimiro que traz consigo uma geografia da alma, do coração, da imaginação, além de desenvolver uma reflexão filosófica e, também, enfatizar os seus aspectos linguísticos, dada a riqueza do vocabulário rosiano, relacionando-o ao lugar.
Segundo Jacques Derrida, “existe desde sempre desconstrução operando em obras, especialmente em obras literárias.” No caso das obras em geral, a desconstrução opera através do próprio processo de diferenciação da linguagem, que permite que o processo de “leitura” seja desenvolvido interminavelmente. Entretanto, Derrida observa também que a desconstrução opera com mais força nas “obras literárias”, pois elas “parecem marcar e organizar uma estrutura de resistência à conceptualidade filosófica que teria pretendido dominá-los, compreendê-los, seja diretamente, seja por meio de categorias derivadas desse fundo filosófico, por meio das categorias da estética, da retórica ou da crítica tradicionais.” Tal é o caso de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Riobaldo, o narrador-protagonista do livro, busca, através de seu relato, encontrar explicações plausíveis para as experiências perturbadoras que viveu no passado. Com o espírito povoado por dúvidas, ideias em desacordo, o ex-jagunço conta sua história porque pretensamente acredita, ou acredita em alguma medida, que isso possa ajuda-lo a descobrir a lógica de sentimentos e acontecimentos e alcançar, para a experiência vivida, uma formulação intelectual apaziguadora. À procura de Riobaldo caracteriza o que, poderia ser chamado de nostalgia do centro e da certeza perdida: o narrador-protagonista do romance de Guimarães Rosa busca certezas tranquilizadoras,
entretanto só encontra indeterminação e insegurança. Isso porque o desejo de certeza do ex-jagunço
é acompanhado de uma postura de dúvida sistemática que ele, paradoxalmente, também assume diante de verdades estabelecidas, que, assim, acabam por não resistir ao seu exame. Dessa maneira, suas tentativas de determinação acabam muito frequentemente, talvez o tempo todo, em indeterminação: no paradoxo, no impasse, na aporia, no ponto a partir do qual não é possível prosseguir refletindo. Pelo menos não em se tratando de uma reflexão fundamentada nos princípios de u
São hoje muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica e filosófica dominante atravessa uma profunda crise. A partir da articulação entre as descobertas no âmbito da física quântica e a leitura do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, presente no livro Primeiras estórias (1962), podemos extrair uma nova proposta educacional, baseada na lógica do terceiro incluído, lógica da transdisciplinaridade, que oferece uma perspectiva de religação dos saberes.